terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

A importância dos transplantes: Porque Fraiburgo precisa doar mais órgãos



Ele é um dentista bem sucedido, ao qual cursou a faculdade na Federal do Paraná, em Curitiba, talvez seja um dos primeiros a atuar na cidade, sendo que em 1984 começou a trabalhar, portanto,  são mais de 30 anos de muita dedicação. Até que algo aconteceu em sua vida e que o fez mudar sua percepção sobre a vida.

Estamos falando de Odair Eger, 59 anos de idade, que depois de bem casado e ver sua vida totalmente estabilizada, deparou-se com duas situações as quais mudaram radicalmente sua existência. Ele adquiriu uma doença progressiva chamada, Fibrose Pulmonar, que leva rapidamente à falência dos pulmões, tendo como consequência, a morte. Além disso, viu sua esposa, Suzete Vedani Eger, também adoecer de câncer de mama.

Mesmo com tudo isto, ele está vencendo sua batalha pessoal, por causa de um único e nobre gesto, a doação de órgãos, ao qual o possibilitou de estar falando com a Le.Sete, para contar um pouco da sua história de luta. Foi vendo um vídeo feito por, Odair Eger, no qual ele enaltece a importância de se doar órgãos, que a Le.Sete o procurou para conversar e compartilhar desta história de luta para sobreviver e compaixão pelos outros. A intenção é que se perceba o quanto é importante doar órgãos.

Le.Sete: Em que ano você descobriu que havia adquirido Fibrose Pulmonar?
Odair: Agosto de 2013.

Le.Sete: É uma doença terrível e deve ter sido um baque. Como foi que isso aconteceu?
Odair: Sim, realmente foi um baque. A maior possibilidade é de eu ter adquirido a Fibrose Pulmonar pelo acúmulo de acrílico e metal nos pulmões, devido à profissão. O hábito profissional, essa é uma das possibilidades, a mais provável, mas não é conclusiva segundo o pneumologista. Meu sistema imunológico reagiu de forma muito violenta ao agente irritante, agredindo meus pulmões. Desencadeando então essa patologia, Fibrose Pulmonar.

Le.Sete: E você teria quanto tempo de vida, caso nada fosse feito?
Odair Eger: De 4 a 6 anos, geralmente, o infectado vem a óbito, a não ser que receba um transplante de pulmão, ou um imunossupressor que bloqueia o avanço, o que é difícil. 

Le.Sete: E como foram os sintomas?
Odair: Eu comecei a tossir muito e um pouco de cansaço, três semanas após fui encaminhado ao pneumologista, que já suspeitou na primeira consulta. Fiz uma tomografia, e, foi diagnosticada então a Fibrose Pulmonar. 

Le.Sete: E como foi essa luta, o tratamento? Isso deve ter mudado muito sua vida.
Odair: Quando descobri que estava doente, foi recomendado que eu não ficasse em Fraiburgo no período de frio mais intenso e em época de florada, também era para eu cuidar com o mofo, com a poeira e a poluição. Isso aumentaria a tosse e me faria sofrer mais. Hoje, teoricamente, eu posso ficar em qualquer lugar, mas de preferencialmente longe desses agentes. Esse tratamento nunca acabará. No início, foi me dito que ficaria de um ano a um ano e meio em tratamento, na cidade de Porto Alegre, até o transplante. Bom lembrar que, somente em São Paulo e Porto Alegre, fazem o transplante de pulmão regularmente. Eu gostei mais de Porto Alegre, porque é referência na América Latina e é bem semelhante ao tratamento adotado na Espanha. No início, são três meses de tratamento com remédios e muita fisioterapia para só então estarmos aptos para receber o transplante, até que no dia 31/12/17, fui chamado, graças a Deus. 

Le.Sete: E como foi essa angústia do transplante?
Odair: Para receber o transplante, o indivíduo, tem de ter os pulmões com menos de 30% da capacidade e uma perspectiva de vida inferior a 2 anos e eu me enquadrei perfeitamente nas duas situações. Eu já não vivia mais sem o concentrador de oxigênio. Por isso, contemplei estes requisitos e entrei na fila. Aí, tem um tratamento para pré-implantado de três meses, onde é multidisciplinar.  A gente passa por uma avaliação médica rigorosa, faz muitos exames, conta com o atendimento de assistente social, psicólogo, psiquiatria, enfermeiros, nutricionista e principalmente, um fisioterapeuta.

Le.Sete: Por que tudo isso?
Odair: Se você está muito debilitado, o organismo não vai suportar o transplante. Então, com tudo isso, eu fiquei um pouco mais forte. É muito exercício respiratório, é muito exame. Nesse período, tratam de tudo, para não ocorrer nenhum risco ao receber o transplante. Além do temor de não se ter um doador, foi uma época de muita luta, pois era a minha última chance. Eu já estava usando oxigênio direto, e estava muito cansado, cansava para tudo, para falar, comer, escovar os dentes, me vestir. Eu fazia tudo, porém, com paradas para recuperar o fôlego e depois continuava. Somado a isto, o terror da espera de um novo órgão.

Le.Sete: Que terrível e angustiante esta situação.
Odair: Nem me fala!

Le.Sete: Falando nisso, é muito difícil ter um doador? E por que a dificuldade?
Odair: Sem dúvidas. Hoje temos na faixa de 74 pessoas, na fila de transplantes. Atualmente, existe muita recusa das famílias em autorizar a doação.

Le.Sete: E depois de transplantado está tudo resolvido?
Odair: Não. Depois de transplantado, começamos outra batalha. O primeiro ano é o mais complicado, afinal aparecem muitas coisas, como viroses, fungos, bactérias, e além de termos de acertar a medicação, tem a tensão da aceitação do nosso organismo com o pulmão recebido. Eu tive de tudo neste período e um pouco mais, mas acredito que passou, agora estou bem confiante e animado com a evolução. Sempre teremos retornos para exames e consultas, nos primeiros 5 anos, de três entre três meses. Já que o índice de mortalidade pós cirúrgico é alto.

Le.Sete: Por que é tão alta a chance de morrer? 
Odair: Por vários fatores. Muitos, depois de transplantados, voltam para casa e se cuidam menos, por isso acontece a rejeição. Tem uns que voltam inclusive a beber, fumar, ganhar peso. Agora, depois que ganhei uma nova chance, minha vida é mais regrada ainda. Temos também um telefone de plantão, para caso surja um imprevisto, e caso eu resolva o problema na cidade onde estou, tudo bem, caso contrário, tenho que voltar para Porto Alegre, imediatamente. No nosso caso, somos mais vulneráveis para pegar doenças e tratá-las. Além disso, com o pulmão novo, corre-se o risco do organismo identificá-lo como um novo invasor, por isso, tomamos imunossupressores.

Le.Sete: A saúde é muito cara no Brasil. Como você conseguiu bancar isto, já que nem trabalhar podia?
Odair: Uma parte foi pago pelo convênio e a cirurgia, foi pelo SUS.

Le.Sete: Mas, enfim, você está vivo, isto é o mais importante, né? Então, conte-me, como foi e o que você sente em relação a pessoa que lhe doou este pulmão?
Odair: Foi uma história muito bonita (visivelmente emocionado). Eu, lá em Porto Alegre, me tratando e o meu órgão doador veio do Hospital Maicé, aqui da cidade de Caçador, portanto, o doador era da nossa região. Algumas das irmãs daquele hospital eram minhas pacientes de longa data e a gente sempre conversava sobre doadores, veja só que coincidência linda, o meu doador vir justamente daqui de perto. Meu doador tinha 41 anos de idade e faleceu de AVC. Ele possuía as mesmas características físicas que eu e tinha compatibilidade. Só pude saber isto desta boa alma, pois estes são os únicos dados que passaram. Eu recebi somente o pulmão esquerdo. Nossa, sinto muita gratidão por este rapaz e sua família que autorizou a doação, rezo diariamente por ele e sua família e muito por minha esposa, e por todos aqueles que me cuidaram, oraram e torceram por mim. Quanto a isto, sou muito privilegiado.

Le.Sete: Mas já estava tudo certo? Esse pulmão veio diretamente para você?
Odair: Quando aparece um doador, os médicos chamam uns dois ou três doentes pulmonares, aos quais estão na lista para receber a doação, e se não der pra um, na certa dará certo pra outra pessoa. É curioso, mas chega muito pulmão que não é aproveitável. O pulmão, não sei se você sabe, quando é retirado do corpo humano, tem somente 4 horas para ser transplantado e uma cirurgia de 2 pulmões demora em torno de até 12 horas. É bem complicado, pois é um órgão bem sensível. Qualquer coisa que ocorra na remoção, no transporte, na recepção, ele se torna sem valor nenhum para o doente. Quanto a isto, tivemos uma grande ajuda, à pouco tempo, quando esse Governo Federal (Michel Temer) permitiu que os aviões da FAB façam o transporte e isto foi ótimo. Uma curiosidade, vai muito órgão de SC pra Porto Alegre.

Le.Sete: Santa Catarina é um estado forte na doação de órgãos?
Odair: SC tem 40.8 doadores para cada 1 milhão de habitantes. A maior média do pais.

Le.Sete: Um doador ajuda muita gente?
Odair: Ô se ajuda! Um doador pode salvar até 8 pessoas, com seu coração, fígado, pâncreas, dois rins, dois pulmões e intestinos. Mas, ao todo, você não vai acreditar, mas um doador  de órgãos pode beneficiar até 700 pessoas, doando pele, córneas, partes dos ossos, veias, vasos, artérias, tendões, enfim, doa-se quase tudo.

Le.Sete: como veio a ideia de fazer aquele vídeo sobre a importância da doação de órgãos?
Odair: No hospital foi pedido pra gente trabalhar nisso, ou seja, incentivar as pessoas a doarem seus órgãos, pois tivemos uma redução de doadores, e estava ocorrendo muitos óbitos. A pessoa que doa seus órgãos, ajuda doentes, pessoas que estão vivendo no limite de suas vidas. Muita gente morre na fila, antes de receber os órgãos. Nós, quando falecemos, em 60 dias, tudo se sumirá, ficando somente os ossos e cabelos, caso seja enterrado ou em cinzas, caso seja cremado. Doando órgãos, você continua vivo, mas na vida de outra pessoa, além de ser um grande ato de amor, salvar as vidas de outros. Nunca vou deixar de ser grato. É engraçado, mas eu sempre achei que iria ser um doador e não receptor de órgãos. Doar é salvar vidas. A gente pega um carinho incrível pelo doador e sua família. 

Le.Sete: E a sua relação com outros doentes?
Odair: Em Porto Alegre, fiz muito amigo e vi muitos deles morrerem. Mesmo que você ache que está sofrendo, pode ter certeza que tem gente sofrendo muito mais que você. Nós estamos montando um grupo dos transplantados, em SC, para que tenhamos mais doadores, mais acesso e mais facilidades. Já tivemos uma reunião em Jaraguá do Sul. Aqui na região, Caçador, tem captado muitos órgãos para doação, estão fazendo um brilhante  trabalho lá.

Le.Sete: Pra doar? Como faz?
Odair: Qualquer pessoa pode doar, basta dizer em vida que quer ser um doador para que no momento do óbito, a família tenha o amor e a compaixão de autorizar. Seja doador e avise a sua família. Eu só estou aqui hoje, lutando pela minha vida ainda e contando pra vocês essa história, por causa de um doador de órgãos. Ninguém está livre de nada e não sabemos nem sobre o dia de amanhã. Doe órgãos, avise sua família. Lembre que: 1 vida salvará 8. Deixe a vida prosseguir. Sou muito grato a todos. Obrigado sempre.